Em entrevista exclusiva à Autoesporte, Jerry Dias, novo presidente do Denatran, traça as principais metas da nova gestão e explica o que pode mudar na CNH, na placa do padrão Mercosul e nas metas para redução de mortes no trânsito
O Denatran, órgão que coordena os Detrans de todo o país e faz parte do Ministério da Infraestrutura, está sob novo comando e, de fato, estuda propostas para alterar os limites de pontuação por multas na CNH e o prazo de renovação do documento.
Porém, essas medidas só serão adotadas caso não representem riscos à segurança no trânsito. É o que garante Jerry Dias, presidente do Denatran desde o início do ano, em entrevista exclusiva à Autoesporte.
“Não existe nenhuma posição [do Denatran sobre isso], mas certamente o assunto vai ser estudado com o cuidado devido. Precisamos discutir a efetividade de algumas autuações e pontuações em relação à segurança no trânsito”, afirma. Ele explica que o principal estudo hoje em dia é de manter o limite em 20 pontos, porém determinar que certas infrações administrativas não devem somar pontos na CNH.
“Essa análise vale tanto para discutir se o sistema de pontuação hoje tem infrações que não precisaria pontuar, quanto para o outro, de uma possível elevação da pontuação”, diz Dias.
Os técnicos do órgão também querem entender se é possível ampliar o prazo de renovação do documento sem tornar o trânsito mais perigoso. O objetivo é deixar as regras de trânsito mais “simples e desburocratizadas”, o que seria uma “premissa básica” do governo.
Apesar de não existir um prazo para que qualquer dessas medidas tenha uma definição, o presidente do Denatran afirma que uma das prioridades será permitir que alguns cursos possam ser feitos online, não presencialmente.
É o caso de cursos de reciclagem exigidos, por exemplo, quando o motorista tem o direito de dirigir suspenso. “Já existe regulamentação prevendo que eles sejam via Educação à Distância (EAD), sem precisar estar sentando no banco de um cursinho”, garante. Mas, o curso inicial de formação de condutores continuará sendo sempre presencial.
Quando o assunto é a segurança no trânsito, porém, ainda não há um consenso sobre metas de redução de mortes. Dias afirma que isso acontece porque o Denatran não tem um banco de dados que concentre todas essas medidas e não descarta mudar as metas atuais.
“Vamos analisar e verificar se as metas estão factíveis. A previsão da legislação é de que até 2028 nós teremos uma redução de 50% nas mortes no trânsito no Brasil. Nós temos que ser realistas em relação ao que temos”, afirma Dias.
Nas últimas semanas, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional do Governo Federal, Augusto Heleno, comparou o potencial de letalidade das armas ao dos carros. “Se for considerar isso [número de vítimas de acidentes de trânsito], vamos proibir o pessoal de dirigir. Ninguém pode dirigir. Ninguém pode sair de casa com o carro, porque alguém está correndo o risco de morrer, porque o motorista é responsável”, disse.
Segundo ele, o número de vítimas do trânsito no Brasil “está em torno de 50 mil vítimas” por ano. Porém, dados do Sistema de Informações de Mortalidade, do Ministério da Saúde, apontam que em 2016 houve cerca de 38 mil mortes no trânsito.
Autoesporte: O que podemos esperar da atuação do Denatran nos próximos quanto à segurança no trânsito?
R: O Denatran tem um impacto muito grande na sociedade e a gente tem consciência plena disso. Nós estamos mapeando a realidade do órgão, como estão os processos internos, além de quais normas e processos que causam maior impacto tanto no cidadão quanto na iniciativa privada. Até porque a diretriz de simplificação, de desburocratização, de diminuir o peso do estado sobre a sociedade é uma premissa básica. É lógico que com todo o cuidado para que a gente não comprometa o trânsito seguro.
AE: Quais medidas são consideradas prioritárias?
R: Nós temos algumas questões que buscam a simplificação do processo por parte do cidadão. Por exemplo, aqueles cursos de reciclagem e outros, como o que o motorista precisa fazer quando tem o direito de dirigir suspenso, já existe regulamentação prevendo que eles sejam via EAD, sem precisar estar sentando no banco de um cursinho. Esse é um assunto que está na nossa meta para facilitar a vida de quem precisa fazer esses cursos. Mas, não o curso de formação inicial.
AE: O que o Denatran pode fazer para evitar idas e vindas de decisões, como as que acompanhamos nos últimos anos?
R: O Contran deve passar por uma reformulação por diretriz de governo. Ele até agora é formado por representantes dos Ministérios, mas deve passar por uma regulamentação, sendo composto por Ministros, com a presidência do Ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas. Ele tem falado muito nesse assunto e há uma preocupação muito grande de alguns setores, mas eu vejo essa mudança de forma positiva porque leva a discussão a nível estratégico, da alta administração brasileira.
Com relação à preocupação das constantes alterações, uma das primeiras medidas que a gente deve fazer logo em seguida é que todos os temas que tem grande impacto social sejam discutidos e abertos a sugestões. Vão ser ouvidos todos os setores, vamos ver de que forma a gente pode facilitar essa discussão sem travar o processo.
Queremos que a norma saia com uma maturidade tal que evite constantes alterações. Que a norma olhe para a realidade e não pense no ideal, sem lembrar que temos a sociedade com sua realidade, seus problemas. A gente não pode desconsiderar isso na hora de elaborar qualquer norma.
AE: A mudança na composição do Contran já está definida?
R: Ainda está se aguardando a formalização da proposta. Depende de uma alteração no Código de Trânsito Brasileiro e nós estamos aguardando essa decisão até para poder verificar como ficará a composição. Via de regra, continua com os Ministérios que já compõem o Contran.
AE: As Câmaras Temáticas, que hoje têm a participação de representantes da sociedade, também passarão por alterações?
R: São 6 câmaras temáticas que apoiam o Contran e que são compostas por representantes dos Detrans, de órgãos estaduais, federais e municipais, há a participação de representantes das entidades ligadas ao trânsito e às vítimas de trânsito.
Isso vai ser mantido e a gente vai ampliar essa forma de comunicação, tornando mais transparente o processo de regulação. Mas, vamos elevar o nível decisório para o nível ministerial.
AE: O Denatran estuda ampliar o limite na quantidade de pontos por multas na CNH? E alteração no prazo de renovação do documento?
R: Não existe nenhuma posição [do Denatran sobre isso], mas certamente o assunto vai ser estudado com o cuidado devido. Até porque antes do Código de Trânsito Brasileiro atual, a habilitação valia até 40 anos. A validade passou para 5 anos e a gente precisa ver todo o impacto que isso teria no sistema de trânsito.
A gente não pode fugir da discussão porque ela é interessante, até para avaliar qual impacto essa redução para 5 anos teve em relação à segurança no trânsito. Não podemos descartar de pronto porque dependemos de um estudo mais apurado. Com relação à pontuação, existe a discussão que ainda é bastante forte em relação a algumas condutas que não gerariam grandes consequências em nível de segurança viária, mas geram pontuação.
Como por exemplo você deixar de transferir seu veículo no prazo de 30 dias: isso gera pontuação na carteira, mas qual é o risco efetivo à segurança viária? A nossa análise em relação ao aumento na pontuação vai estar ligada muito a se a pontuação na forma como está, para todas as condutas, seria necessário.
Um segundo aspecto é a questão de que a CNH pode ser um meio de mobilidade para boa parte das pessoas, mas também é um meio de trabalho. É lógico que não se pode usar isso como argumento para que a pessoa fique cometendo infrações de qualquer forma. Mas, precisamos discutir a efetividade de algumas autuações e pontuações em relação à segurança no trânsito.
Ainda é incipiente dar uma resposta efetiva a respeito desse assunto. Vamos precisar estudar e trabalhar, e aí vai haver alguma definição do governo sobre esse assunto, mas com todo o cuidado, certamente.
AE: Independente da decisão, a segurança do trânsito vai ser priorizada?
É. Essa análise é tanto para um lado quanto para o outro. Hoje você tem situações como a que eu citei que geram risco de suspensão do direito de dirigir, mas qual é o risco se alguém esquece de fazer a transferência do carro em 30 dias?
Essa análise vale tanto para discutir se o sistema de pontuação hoje tem infrações que não precisaria pontuar, quanto para o outro, de uma possível elevação da pontuação. Já existe a diferenciação de condutas que independem de pontos, por exemplo a embriaguez. Embriaguez ao volante não tem pontuação, se você dirigir sob influência de álcool, já gera a suspensão por 12 meses. É o caso também do uso de drogas e do racha.
AE: Isso não muda?
R: Não, não, até porque a discussão está na pontuação, não em relação às infrações de alto potencial de risco à segurança.
AE: As placas no padrão Mercosul vão entrar em vigor no meio do ano, como está previsto, ou existe algum estudo para rever isso?
R: A gente tem recebido uma série de questionamentos em relação à visibilidade da placa, aos custos e ao material. Isso tudo já está em análise. É lógico que a gente não pode gerar uma instabilidade porque toda hora muda de um lado ou de outro.
A gente precisa ter cuidado na segurança da produção da placa para evitar que haja tanta facilidade para clonar. Temos que verificar o processo, tanto das empresas que fazem o serviço (fabricantes, estampadores), quanto os usuários. Nós já verificamos que, em alguns casos, aquela previsão que havia de redução, não houve.
Pelo contrário, houve aumento, e isso gera um transtorno para a população. É lógico que não é o Denatran, não é a União que estabelece o valor de uma placa. Mas, a gente tem que verificar se a regulamentação não estimulou esse aumento de custos. Precisamos fazer essas avaliações técnicas e certamente vamos trabalhar dentro do prazo previsto para que ela entre em vigor.
AE: A princípio, então, o prazo de 30 de junho está mantido?
R: Não. Qualquer tipo de alteração que vier a ser feita em qualquer norma do Contran, seja em uma nova norma ou seja em uma que está em vigor, será feita com muita transparência, com muito cuidado e que haja estabilidade na discussão da norma.
AE: O Denatran tem alguma meta concreta para diminuir a quantidade de mortes no trânsito nos próximos anos?
R: O Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito é uma legislação recente e que já tem regulamentação do Contran. Existem algumas metas e estamos em fase de revisão desse plano para verificar se ele está adequado ou se existem dificuldades no cumprimento.
Se um município não está integrado ao Sistema Nacional de Trânsito, como é que nós vamos fazer para avaliar essa realidade? O Denatran tem a responsabilidade pelo controle dos dados de acidentalidade no Brasil, mas não tem um banco de dados com essas informações.
Essa é uma das nossas prioridades: trabalhar e conversar com os demais órgãos de trânsito para que a gente tenha essas informações dentro do banco de dados do Denatran, para que a gente possa analisar e para que as políticas públicas sejam fundamentadas não somente numa teoria ou numa impressão que nós temos. Mas, que ela seja realmente baseada em dados que possam ser provados, para que a gente possa fazer uma política efetiva.
AE: Rever essas metas significa torná-las mais rígidas ou talvez elas possam ser consideradas rigorosas demais e tenham que ser afrouxadas?
R: Eu não posso nem te dizer que vai ser um caminho ou outro, certamente a gente vai analisar e verificar se as metas estão factíveis. A previsão da legislação é de que até 2028 nós teremos uma redução de 50% nas mortes no trânsito no Brasil. Nós temos que ser realistas em relação ao que temos.
Primeiro, precisamos desses dados materializados em um sistema para que a gente possa analisá-los com segurança. Hoje, eles estão compartimentalizados em bancos de órgãos estaduais. Nós não temos esses dados no Denatran, temos que trazer esses dados para cá. Isso vai demorar um pouco, mas com esses dados aqui nós vamos ter mais condições de avaliar se algum local ou outro está fazendo uma política adequada ou se é preciso algum ajuste, e em que medida o Governo Federal pode contribuir para que ele possa atingir as metas.
A sociedade precisa entender que cada um de nós precisa fazer a nossa parte. Compreender que o valor de uma vida não é medido por metas ou indicadores. A gente só mede o valor de uma vida quando a gente conversa com o parente de alguém que morreu ou ficou com lesões permanentes.
A gente tem que ter consciência da nossa responsabilidade, como cidadãos e como gestores também. Que as nossas políticas sejam políticas que a sociedade defenda. Que a sociedade não olhe como uma indústria de multas, que não veja a multa somente como um meio de resolver a acidentalidade. Existem muitas atividades que podem ser feitas para a redução de mortes e lesões no trânsito.
Não podemos olhar para a multa como um fator principal, existe educação, existe engenharia, existe a participação da mídia, dos canais de comunicação, das entidades que defendem a vida. São vários atores dentro desse processo. Se cada um deles fizer a sua parte, eu tenho certeza que a gente pode alcançar esse índice. Mas, nós vamos precisar conversar muito, e nesse sentido o Denatran está de portas abertas.
AE: Falando sobre essas críticas a respeito da “indústria da multa”, você tem uma longa atuação na Polícia Rodoviária Federal e em outros órgãos do trânsito, qual é a sua percepção: a indústria da multa existe, de fato?
R: O papel do Denatran é ser um órgão fiscalizador de todo esse processo, então nós vamos analisar. Se houver abuso por parte de algum órgão de trânsito nós vamos buscar informações se estão cumprindo as normas de trânsito, porque as normas também visam proteger o cidadão. Se algum órgão eventualmente não está cumprindo alguma regra, a gente vai conversar com esse órgão e verificar quais medidas podem ser tomadas para impedir que ele adote como política aquilo que se convencionou chamar como “indústria da multa”.
Agora, é importante que o cidadão compreenda também que ele quando vê a sinalização, deve obedecer. A gente vai estar trabalhando para que essa sinalização, essa fiscalização, essa obra de engenharia, esse modelo de educação estejam dentro de uma política maior e que toda a sociedade possa ver como algo positivo para ela.
AE: A fiscalização também é considerada uma forma de estimular a população a seguir as regras do trânsito?
R: A fiscalização é um dos tripés, agora ela tem que estar em harmonia com a realidade social, não pode estar dissociada disso. A sociedade tem que entender e defender. Se toda a sociedade está criticando, o órgão público tem que fazer uma reavaliação dos seus processos e de suas ações também.
Fonte: Autoesporte – 07/02/2019
por GUILHERME BLANCO MUNIZ